A resposta direta, com base no que a ciência sabe hoje, é que sim, o uso de anticoncepcionais orais pode aumentar ligeiramente o risco de câncer de mama, mas esse risco é baixo e temporário. No entanto, é fundamental entender essa relação com base em evidências científicas sólidas para tomar decisões informadas sobre sua saúde.
A relação entre hormônios e o câncer de mama
Para entender por que os anticoncepcionais são um tema de discussão, é preciso saber que os hormônios estrogênio e progesterona desempenham um papel crucial no desenvolvimento da maioria dos cânceres de mama. Os anticoncepcionais orais combinados contêm versões sintéticas desses hormônios, e é por isso que o seu uso se torna um fator a ser considerado.
- O aumento do risco é pequeno: Diversos estudos científicos, incluindo análises de larga escala, demonstraram um pequeno aumento no risco de câncer de mama em mulheres que estão usando anticoncepcionais hormonais. Estudos de grande porte e meta-análises mostram que o risco relativo de câncer de mama para usuárias atuais ou recentes de anticoncepcionais hormonais situa-se tipicamente entre 1,2 e 1,3, independentemente da via de administração (oral, injetável, implante ou dispositivo intrauterino com levonorgestrel).O risco aumenta com a duração do uso, sendo mais pronunciado após mais de 10 anos de uso contínuo.
- A idade da mulher:Esse aumento absoluto de risco é pequeno em mulheres jovens, mas cresce com a idade, acompanhando o risco basal de câncer de mama.Por exemplo, estima-se que o excesso absoluto de casos atribuíveis ao uso de anticoncepcionais hormonais por 5 anos seja de 8 por 100.000 usuárias entre 16 e 20 anos, e de 265 por 100.000 entre 35 e 39 anos.
- O risco diminui ao longo do tempo: O fator mais tranquilizador é que o risco aumentado está diretamente ligado ao período de uso. Após a interrupção do anticoncepcional, o risco de câncer de mama começa a diminuir progressivamente. Após cerca de 5 a 10 anos sem usar a pílula, o risco adicional de câncer de mama diminui progressivamente e tende a desaparecer.
Outros fatores de risco e o contexto individual
É crucial entender que o uso de anticoncepcional é apenas um entre muitos fatores que podem influenciar o risco de câncer de mama. Outros elementos, muitos dos quais têm um impacto muito maior, incluem:
- Histórico familiar: Mulheres com casos de câncer de mama em parentes de primeiro grau (mãe, irmã ou filha) têm um risco significativamente maior.
- Idade: O risco de câncer de mama aumenta drasticamente com a idade.
- Genética: Em portadoras de mutações BRCA1, o uso de anticoncepcionais hormonais também está associado a aumento do risco de câncer de mama, especialmente com uso prolongado, enquanto para portadoras de BRCA2 a associação é menos consistente.Em ambas as populações, o uso de anticoncepcionais orais está associado à redução significativa do risco de câncer de ovário, o que deve ser considerado no aconselhamento individualizado
- Estilo de vida: Sedentarismo, tabagismo,consumo excessivo de álcool, obesidade e uma dieta pobre em nutrientes podem contribuir para o aumento do risco.
A decisão de usar ou não anticoncepcional deve levar em conta todos esses fatores. Para uma mulher de 25 anos, sem histórico familiar de câncer, o pequeno aumento no risco de mama pode ser sobreposto pelos benefícios do uso da pílula, como a prevenção de uma gravidez não planejada, a regulação do ciclo menstrual e, em alguns casos, até a redução do risco de câncer de ovário e endométrio.
A gravidez pode ocorrer se você não utiliza método contraceptivo e a gravidez também se correlaciona com câncer de mama.Estudos de coorte e análises agrupadas mostram que, em mulheres que tiveram filhos, o risco de câncer de mama atinge um pico aproximadamente 5 anos após o parto (hazard ratio [HR] de até 1,8 em relação a nulíparas), permanecendo elevado por até 20 anos, especialmente para tumores do subtipo receptor de estrogênio positivo (ER+)Após esse período, o risco diminui progressivamente, tornando-se inferior ao das nulíparas cerca de 24 a 34 anos após o parto. O efeito protetor de longo prazo é mais pronunciado quanto maior o número de gestações a termo e quanto mais jovem a idade ao primeiro parto.A amamentação, por sua vez, está associada a uma redução adicional do risco, tanto para tumores ER+ quanto ER–, especialmente quando prolongada.
O objetivo do Outubro Rosa é capacitar você com informações verdadeiras. A relação entre anticoncepcional e câncer de mama é um exemplo perfeito da importância de um diálogo aberto e honesto com sua ginecologista.
- Não pare de usar o anticoncepcional por conta própria. Antes de tomar qualquer decisão, agende uma consulta com sua ginecologista.
- Seja transparente. Converse com sua médica sobre seu histórico familiar, seus hábitos de vida e suas preocupações. A ginecologista poderá avaliar seu perfil de risco individualmente e ajudá-la a escolher o método contraceptivo mais adequado para você.
O conhecimento é a sua melhor ferramenta. Ao entender os riscos, os benefícios e o seu próprio contexto de saúde, você toma as rédeas da sua vida e se torna a maior aliada da sua própria saúde.
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